O mês de julho de 2022 foi o mais quente dos últimos 92 anos, um pouco por todo o país, fazendo-se sentir a temperatura mais elevada de sempre precisamente nesta zona do Pinhão.
Dados do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera)
As colheitas deste ano foram marcadas por uma precipitação escassa ao longo da maior parte do ciclo vegetativo, que registou níveis muito abaixo da normal climatológica em quase todos os meses, enquanto que as altas temperaturas somaram recordes. A conjugação destes fatores contribuiu para que, no final do mês de junho, a região do Douro se encontrasse já num estado de seca severa.
No final de agosto, chegou a verificar-se na Quinta de S. Luiz - a propriedade onde a Sogevinus centraliza a sua atividade na região, situada na freguesia de Adorigo, próxima do Pinhão – um registo de precipitação de apenas 184 mm, o correspondente a um valor 65% abaixo da média. Na mesma altura, e olhando para aquele que foi o somatório dos meses de junho, julho e agosto no que toca à temperatura, tivemos 58% dos dias a alcançar valores máximos superiores a 35ºC, sendo que em 23 desses dias os termómetros chegaram mesmo a ultrapassar os 39ºC. De notar ainda que, segundo os dados do IPMA – Instituto Português do Mar e da Atmosfera, o mês de julho de 2022 foi o mais quente dos últimos 92 anos, um pouco por todo o país, fazendo-se sentir a temperatura mais elevada de sempre precisamente nesta zona do Pinhão, onde a estação meteorológica registou uns impressionantes 47ºC.
Esta onda de calor traduziu-se numa situação mais preocupante para as vinhas situadas em cotas baixas, tanto na zona do Cima Corgo, como na sub-região do Douro Superior. Já para as vinhas em cotas altas e no Baixo Corgo, as condições foram um pouco mais amenas.
Ainda que o ciclo vegetativo se tenha iniciado com um ligeiro atraso relativamente ao expectável, este tempo acabou por ser rapidamente recuperado na fase de floração das videiras, mantendo-se até uma ligeira antecipação face aos valores médios da região. No que toca à problemática de doenças e pragas, esta questão não se manifestou com especial significado, uma vez que as condições meteorológicas foram sempre desfavoráveis ao seu desenvolvimento, pelo que podemos, assim, considerar que não tiveram impacto na produção deste ano.
Envoltos neste contexto, fomos colocados perante uma vindima com uma janela de maturação mais curta do que o habitual, onde a atenção ao detalhe em cada parcela e o controlo permanente do estado de maturação das uvas foram fatores decisivos para o sucesso da nossa missão e para a obtenção de vinhos de boa qualidade e com potencial de guarda.
“"Considerando as duras condições enfrentadas pela nossa viticultura este ano, e com base nas nossas observações até à data, estamos confiantes de que as nossas vinhas têm estado à altura do desafio, produzindo resultados surpreendentes."
Carlos Alves, Diretor de Viticultura e Enologia da Sogevinus
Os vinhos brancos DOC Douro foram o alvo da nossa primeira vindima. A 18 de agosto, demos início às operações com a casta Viosinho das vinhas da Quinta de S. Luiz, na cota mais baixa, onde as amostras de controlo de maturação apresentavam já bons teores de álcool e de acidez. Cinco dias depois, seguiu-se a vindima para os vinhos tintos, cabendo o pontapé de partida à casta Touriga Nacional existente na Quinta do Arnozelo, situada no Douro Superior.
No final do mês, a 29 de agosto, foi a vez de arrancar a vindima para os vinhos do Porto. As castas brancas das zonas mais baixas foram as primeiras, tendo em conta a sua expressão ótima de teor de açúcar, elemento fundamental para elaborar vinhos brancos de excelente qualidade. A 1 de setembro, iniciámos o corte das uvas tintas da sub-região do Douro Superior, onde tínhamos uvas em elevado stress hídrico devido à falta de água no solo e às elevadas temperaturas que se registaram durante todo o mês de agosto. Neste período, o calor excecional continuava a fazer-se sentir, com valores acima dos 40ºC, o que nos obrigou a acelerar o corte das uvas, tanto brancas como tintas. A necessidade de programar, ao detalhe, as prioridades de colheita, de definir a quantidade de uvas a vindimar por dia e de selecionar o modo de transporte e os processos de vinificação foram tarefas incontornáveis, que se revelaram ainda mais exigentes e relevantes do que no ano anterior. Assistimos a uma maturação precoce e quase simultânea em todas as castas e sub-regiões, o que tornou premente a análise e a organização de todos os pormenores da operação, de forma a assegurar que, no final, os vinhos seriam capazes de repercutir o máximo potencial do fruto e do ano.
Toda a equipa, sem exceção, abraçou este desafio com uma determinação e uma entrega inexcedíveis, tendo sido este um elemento crucial para os resultados obtidos.
“Em geral, devido à excelente saúde das uvas durante a vindima, os vinhos do Porto produzidos a partir da colheita de 2022 apresentam aromas invulgarmente limpos e cores extremamente intensas.”
Carlos Alves, Diretor de Viticultura e Enologia da Sogevinus
Tendo em conta os duros testes que a nossa viticultura teve, este ano, de enfrentar, podemos afirmar, com base no que conseguimos observar até ao momento, que as vinhas estiveram à altura do desafio, entregando-nos resultados surpreendentes.
De uma maneira geral, e devido ao excelente estado sanitário que as uvas apresentaram durante a vindima, os vinhos do Porto produzidos na vindima de 2022 surgem com aromas muito limpos e cores extremamente vivas
Os brancos apresentam-se aromáticos, frescos e com um volume de boca fenomenal. Quanto às castas, voltamos a ter este ano a casta Viosinho com uma excelente performance, à qual se junta também a Malvasia Fina e a Gouveio.
Os tintos revelam-se elegantes, muito perfumados e com uma intensidade tânica muito significativa, que lhes confere um elevado potencial de envelhecimento. Entre as castas que mais se destacaram este ano pelo seu desempenho, encontramos, nos Porto tintos, a Tinto Cão, Sousão e Touriga Nacional.
Neste momento, e depois de terminada a vindima, acreditamos que esta nos deu vinhos do Porto de enorme qualidade e com grande poder de envelhecimento. Teremos, no entanto, que esperar ainda pela passagem dos meses mais frios no Douro, para percebermos realmente como será a evolução destes vinhos.
“Os vinhos brancos são aromáticos e frescos, mostrando um corpo fenomenal, enquanto os tintos são elegantes, perfumados e com taninos significativamente intensos, o que sinaliza um grande potencial de envelhecimento.”
Carlos Alves, Diretor de Viticultura e Enologia da Sogevinus
Este ano os tintos DOC Douro apresentam-se com um corpo médio e, simultaneamente, menos alcoólicos. A sua acidez média é um pouco inferior à registada nos anos anteriores, mas bem balançada com o álcool deste ano, o que resulta em vinhos equilibrados, com bom tanino. Apresentando-se, nesta fase, já muito suaves e cremosos, deixam adivinhar um caráter próprio de vinhos de boa qualidade. Um debruçar sobre as castas revela uma Touriga Nacional fresca e aromática, com notas de flor de laranjeira e de violetas, que surge na boca de forma muito delicada e fina. Identificamos também uma Tinta Roriz muito mineral, com boa acidez e presença de fruta fresca, e uma Sousão com boa cor, encorpada e já muito aveludada na boca. Percebemos que este foi um ano especialmente generoso para a Touriga Franca, já que o intenso calor que se fez notar e a pouca água no solo fizeram com que esta casta se expressasse muito bem. Com bagos e cachos mais pequenos que o habitual, deu origem a vinhos com uma bela estrutura e uma cor vibrante, conferindo-lhes um corpo sério, com notas frutadas e florais que fazem lembrar amoras e flores de rosas. As vinhas velhas produziram vinhos com uma identidade muito própria, fiel às diferentes vinhas e quintas que lhes dão origem. São vinhos equilibrados, com boa estrutura, cores fortes e uma acidez bem presente.
Em relação aos brancos DOC Douro, encontramos, de um modo geral, vinhos frescos, frutados e com uma boa boca. Os vinhos provenientes das cotas mais altas evidenciam ainda uma forte sensação mineral. A casta Folgazão revela-se com uma boa estrutura – superior àquela que é normal para o perfil deste tipo de uva –, trazendo uma rica complexidade aromática e muita frescura, sem, no entanto, perder a sua tradicional elegância. Na Viosinho, encontramos um equilíbrio perfeito entre açúcar e acidez, o que proporciona vinhos estruturados, encorpados, com bom teor alcoólico, muito florais e com ligeiras notas de anis e pêssego. Também com boa estrutura e alguma complexidade, a casta Gouveio entrega-nos fruta fresca, tipo damasco não muito maduro. Já a Malvasia Fina manifesta algumas notas de fruta tropical, como maracujá e ananás. Por sua vez, a casta Fernão Pires surge rica na estrutura e apresenta-se com compostos aromáticos fortes, fruta cítrica, nomeadamente laranja, acompanhada de ligeiras sensações de flor de tília. A última casta branca a ser vindimada foi a Arinto, das vinhas mais altas, que nos presenteou com vinhos com uma acidez bem presente, de cor citrina e com uma forte mineralidade, elevando as sensações de maçã verde, limão e algumas notas de maracujá.
Terminada a vindima, é com grande expectativa que aguardamos os próximos capítulos. Os vinhos tintos estão, neste momento, a finalizar a fermentação malolática, enquanto que os brancos estão na fase de desabrochar. Numa primeira impressão pós-colheita, podemos dizer que estamos muito agradados com os resultados. Temos em mãos vinhos estruturados, perfumados e frescos, com bons precursores de envelhecimento, que perspetivam um futuro promissor.