A própria natureza, com a intensificação das alterações climáticas, quis que esta vindima fosse célere e curta obrigando a um esforço de equipas para acolher às maturações simultâneas que aconteceram um pouco por toda a região. Com uma produção mais baixa, da vindima 2020 resultaram mostos de boa qualidade, com elevados teores de açúcar, bons níveis de acidez e de compostos fenólicos.
Conservar a pureza do fruto para garantir a expressão de todo o seu potencial nas especificidades deste ano de vindima foi, sem dúvida, um grande desafio, tanto fora como dentro da adega
Ricardo Macedo, enólogo responsável pelos vinhos tranquilos Sogevinus Fine Wines
O Inverno do ano vitícola 2019/20 foi quente e seco. O início da Primavera, também ela quente, registou uma precipitação ligeiramente superior à NC, sobretudo no mês de Abril a Maio o que possibilitou a reposição natural da água no solo para o bom desenvolvimento da videira.
No entanto, se os níveis de precipitação foram considerados relativamente normais para a região, o mesmo não se pode dizer das temperaturas registadas, sempre bastante acima do normal. Às ondas de calor que assolaram a região em Junho, Agosto e Setembro, com temperaturas máximas a superarem os registos dos últimos 30 anos, acresce um mês de Julho com valores extraordinariamente quentes. Na estação meteorológica da Quinta de São Luiz, no Cima-Corgo, registaram-se 3,3º graus acima da NC habitual desse mês. De acordo com o IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera) o período de Janeiro a Setembro de 2020 foi, efectivamente, o mais quente de sempre.
Com um avanço de aproximadamente duas semanas em relação à média da região, o ciclo vegetativo ficou primeiramente marcado por um ataque de pragas nos meses em que as condições meteorólogas foram mais favoráveis às doenças, sendo Abril e Maio os períodos mais críticos.
Já no início do Verão, as temperaturas elevadas despoletaram uma série de reacções naturais na vinha como por exemplo um menor número de cachos por videira situação que se acentuou com a desidratação verificada a partir de Setembro, fazendo, portanto, prever desde logo uma quebra em quantidade face à campanha de 2019.
A vindima iniciou-se em Agosto, com tempo seco e temperaturas moderadas, o que proporcionou maturações graduais. Com a chegada do mês de Setembro, e com as maturações a avançarem muito rapidamente, foi necessário ajustar toda a logística das equipas de vindima para garantir a chegada das uvas à adega nas melhores condições, apresentando um estado sanitário óptimo.
“A orografia do Douro com a sua diversidade de solos, exposições e altitudes, aliada à aposta nas castas autóctones mais resistentes e à utilização de práticas sustentáveis na vinha (como a manutenção de um coberto vegetal e a instalação de corredores ecológicos), permitem-nos enfrentar ano após ano a intensificação das alterações climáticas”, salienta Márcio Nóbrega, responsável de Viticultura da Sogevinus Fine Wines. “A evolução da viticultura de precisão e a utilização de técnicas inovadoras de controlo de pragas e de protecção da biodiversidade são, actualmente, factores decisores para que, ano após ano, consigamos vindimar uvas com excelente qualidade apesar de todas estas adversidades”, acrescenta.
Com o Inverno a chegar, os vinhos brancos começam a revelar-se enquanto que os tintos ainda estão a finalizar a fermentação maloláctica. Em adega temos vinhos com excelente estrutura, aromáticos, frescos, com pergaminhos de envelhecimento que perspetivam um futuro muito promissor para os vinhos da vindima de 2020
Ricardo Macedo, enólogo responsável pelos vinhos tranquilos Sogevinus Fine Wines
“Com uma janela de maturação muito curta (em relação a anos anteriores) na maioria das castas, a atenção ao detalhe em cada parcela, o controlo permanente do estado de maturação das uvas e a rapidez de decisão de corte da uva foram fatores-chave para a obtenção de vinhos com enorme potencial qualitativo”, explica Ricardo Macedo - enólogo responsável pelos vinhos tranquilos da Sogevinus. “Face à rápida desidratação verificada na vinha foi igualmente importante o cuidado na recepção na adega, a selecção das uvas bem como a sua respectiva vinificação”, acrescenta.
A aceleração das maturações da uva em Agosto, quase em simultâneo nas três sub-regiões do Douro, foi o mote para o início de uma vindima precoce, cujo sucesso dependeu em larga escala da programação das prioridades tendo em conta o tipo de vinho e a qualidade pretendida. Foi, portanto, essencial começar por definir a quantidade de uva a vindimar por dia, para fixar necessidades de transporte e assegurar a forma de vinificação mais adequada. Neste cenário, a recente câmara de frio na recepção da adega de São Luiz foi essencial já que serviu de pulmão para uma boa triagem na adega. “Conservar a pureza do fruto para garantir a expressão de todo o seu potencial nas especificidades deste ano de vindima foi, sem dúvida, um grande desafio, tanto fora como dentro da adega”, explica Ricardo Macedo.
Em prova, os vinhos tintos deste ano apresentam-se com bom corpo, cor e uma excelente frescura. Com teores alcoólicos um pouco superiores aos anos anteriores, os vinhos estão bastante equilibrados com bons taninos, muito suaves e cremosos, o que nos deixa antever a produção de vinhos de qualidade superior.
Ao nível das castas tintas a Touriga Nacional revela-se fresca e aromática com notas de flor de laranjeira e violetas, sendo muito delicada e elegante em boca. A Tinta Roriz destaca-se pela sua mineralidade, com uma excelente acidez e notas de fruta fresca. Já o Sousão exibe-se retinto, encorpado e muito aveludado na boca. De realçar ainda a excelente forma da Touriga Franca, fruto do binómio calor e baixos níveis de água no solo, o que permitiu que esta casta se expressasse muito bem, com bagos mais pequenos do que o normal e menor produção por planta. Daqui resultaram vinhos de cor vibrante, com uma bela estrutura, corpo sólido e um bouquet de notas frutadas e florais que fazem lembrar amora e flores de rosas.
Por fim, das nossas Vinhas Velhas da Quinta de São Luiz e da Quinta da Boavista nasceram vinhos de cor vibrante, com uma identidade muito própria, característica das diferentes vinhas que lhes estão na origem. Vinhos equilibrados, com excelente estrutura e frescos.
Em relação aos brancos temos de um modo geral vinhos frescos, frutados e com uma boa boca. Os vinhos provenientes de cotas mais altas conjugam a fruta com uma boa acidez, fruto de uma vindima cirúrgica e atempada de acordo com o estado da maturação da uva.
Das castas brancas, destacam-se o Folgazão pela sua estrutura mais sólida do que o habitual, excelente complexidade aromática, frescura e a elegância que lhe é característica. No Viosinho encontrámos um equilíbrio perfeito entre açúcar e acidez, o que proporciona vinhos estruturados, encorpados, com bons teores alcoólicos, muito florais e com ligeiras notas de anis e pêssego. Já a Malvasia Fina apresenta algumas notas de fruta tropical, com nuances de maracujá e ananás. O Gouveio prima pela sua estrutura e complexidade, com notas de fruta fresca tipo damasco não muito maduro. á o Fernão Pires surge rico na estrutura e com compostos aromáticos fortes, fruta cítrica como laranja e ligeiras nuances de flor de tília. O Arinto, proveniente de vinhas a cerca de 500 metros de altitude, foi uma das últimas castas brancas a ser vindimada, resultando em vinhos com uma acidez bem presente e mineralidade vincada que realçam apontamentos de fruta fresca como maçã verde, limão e algumas notas de maracujá, embora não tão presente este ano.
“Com o Inverno a chegar, os vinhos brancos começam a revelar-se enquanto que os tintos ainda estão a finalizar a fermentação maloláctica. Em adega temos vinhos com excelente estrutura, aromáticos, frescos, com pergaminhos de envelhecimento que perspetivam um futuro muito promissor para os vinhos da vindima de 2020”, sintetiza Ricardo Macedo.
A vindima de 2020 ficou marcada por uma série de adversidades que fizeram deste um dos anos mais desafiantes ao longo da minha carreira. Precoce e curta esta foi uma vindima que superou todas as expectativas e partir da qual acreditamos que vai ser possível produzir vinhos de excelente qualidade
Carlos Alves, enólogo responsável pelos Vinhos do Porto e Master Blender
Nos Vinhos do Porto, os mostos tintos revelam elevada concentração de açúcar aliada a uma excelente intensidade corante, com sabores e aromas extremamente limpos. No que diz respeito aos mostos de uvas brancas, apresentam aromas de fruta exótica fresca, com um volume de boca cheio e longo.
As castas tintas com melhor desempenho nos Vinhos do Porto foram a Touriga Nacional, o Tinto Cão e o Sousão. Já nas brancas, destacamos a performance do Viosinho, Arinto e Malvasia Fina.
“Esperamos agora pelos Invernos rigorosos do Douro para que os vinhos demonstrem o seu potencial, mas atrevo-me a dizer que temos na adega grandes vinhos do Porto, com enorme potencial de envelhecimento” refere Carlos Alves, enólogo responsável pelos Vinhos do Porto. “A vindima de 2020 ficou marcada por uma série de adversidades que fizeram deste um dos anos mais desafiantes ao longo da minha carreira. Precoce e curta esta foi uma vindima que superou todas as expectativas e partir da qual acreditamos que vai ser possível produzir vinhos de excelente qualidade”, conclui o enólogo.